Resistência feminista e emancipação feminina

Mulheres que correm com os homens? 

O que diria um homem bastante acostumado a conviver com muitas mulheres em grupos de estudos e trabalhos? Absoluta fez esta questão a Eduardo Cezimbra, ambientalista e dentista homeopata.
Resultado: Eduardo gerou esse belíssimo mosaico de referências e lições a serviço da revolução integradora e silenciosa que mulheres e homens interessados na cura planetária estão realizando. Ricardo Martins, editor de ABSOLUTA.
 

“As mulheres eram respeitadas e veneradas e Deus era Deusa.” 

Escrevo este artigo com a memória repleta de experiências pessoais.
Passam pela minha frente centenas de rostos de mulheres. Rostos – e corpos – de mulheres de todas as etnias – e almas, mentes e espíritos – manifestadas na diversidade de sistemas de crença.
Mulheres com quem junto participei de campanhas sindicais e político-partidárias, mulheres dos cursos de terapias, mulheres da formação holística. Estas, numa proporção de 5 mulheres para cada homem na minha turma!
Aquelas, ainda minoritárias, mas atuantes em grupos como o Luta Maria! no vale do Rio dos Sinos, marcando posição – e como marcavam – em cima, alertando para as atitudes e piadas machistas dos sindicalistas e militantes partidários. Muitas vezes, atitudes e comentários inconscientes do seu caráter machista e preconceituoso por parte de nós, homens…
Eram diretas, fortes, às vezes agressivas, mas muito me ajudaram a ir rompendo com este sistema milenar de crença patriarcal.
Trago a inesquecível lembrança do seminário Integração Feminino e Masculino, com May East e Craig Gibsone, de Findhorn e da Rede Global de Ecovilas, na formação holística… Ouvir os gritos ancestrais das mulheres e dos homens é impactante!
Os homens com seus uivos e guinchos.
Os das mulheres, os gritos das dores do parto da humanidade, de arrepiar e assustar a maioria dos homens presentes, que mergulharam na vivência aterradora do ataque das Amazonas ou das mulheres dionisíacas, destroçando os homens, seus maridos, que zombavam do Deus de aspecto afeminado e bonachão…
Eu, sinceramente, não me assustei, talvez por já ter passado pela militância política feminista do Luta Maria!.
Comecei neste período de formação holística um curso de Astrologia e Tarô com o professor de História, ex-diretor desta faculdade na UFSM, prof. Teófilo, o Tofa, como gosta de ser chamado. Aqui também, na posição de um homem (o único) para cinco mulheres…
Foi neste curso que ouvi pela primeira vez a história, pouco sabida pela maioria das mulheres e dos homens, da passagem da era matrilinear para a era patriarcal, da história oral para a história escrita, Tribo X Cidade, enfim do Mito X Logos.
Notáveis ocultistas que conservaram este saber em cartas de tarô, catedrais góticas e obras de arte, como linguagem simbólica, para se preservarem da inquisição religiosa.
E, de como as Deusas viraram Deuses… ou seja, de uma ênfase nas mulheres, portadoras do milagre da fertilidade e preservação da espécie, da natureza sagrada e do intuitivo passou-se, com traumas e violência, para a supremacia do patriarcado, cultural, racional, com suas leis escritas e normativas para explorar e oprimir as mulheres e a natureza – como propriedades dos homens, em síntese.
Recordo-me que, neste mesmo período, comecei também um curso de Medicina Tradicional Chinesa. Escola, onde a par dos livros clássicos da medicina chinesa e do taoísmo, se preservava ardentemente a tradição patriarcal (?!!) com aquelas regras de mulher submissa e o homem como macho-alfa. Claro que o professor, um médico venezuelano, não gostou muito quando viu a forma igualitária como nos relacionávamos, minha companheira, Maritânia, e eu. Sutil e enigmaticamente, tal qual um trator de esteira, vociferou que eu precisava passar pelo deserto…
Recordo que algumas mulheres até o contestavam, de início, mas depois se calavam, talvez interessadas na acupuntura mesmo, dando de ombros com tamanho machismo.
Mas teve uma mulher – basta uma!- que não baixou a cabeça, Fátima de Rosário Rojas, nicaragüense, hoje atuando como terapeuta em Pelotas, herdeira de “su abuela” e das tradições orais tribais da centro-américa maia, que rebatia o mestre “iluminado” a cada “verdade absoluta” solenemente declarada. Encurtando a história e, confesso, graças ao alerta de minha amada companheira, eu caí fora na primeira que me aprontaram, e minha amiga Fátima foi “convidada” a se retirar… Mas cumpriu um papel elevante de questionar o sacerdote das religiões patriarcais, e desmascarou a sua posição autoritária e reacionária, travestida de tradição… Aliás, a bem da justiça, ouvi de antigo colega desta escola, hoje professor na mesma, que após a saída do primeiro professor, mudou-se o currículo, com ênfase na acupuntura e massagem chinesas. Será que foram as mulheres que correram com o homem? A conferir!

Um salto quântico, uma revolução pacífica

Tantas experiências em suas redes de conexões sociais foram me esclarecendo sobre a crise ambiental e social que todas estas situações prenunciavam e a urgente necessidade de mudanças de paradigma.
Por exemplo, a crise no sistema público de saúde que, em função deste modelo hegemônico patriarcal, desconsiderava as reivindicações das mulheres por melhores práticas de saúde que respeitassem seus corpos, mentes e almas, especialmente nas especialidades médicas dominadas por homens, como a obstetrícia e ginecologia.
Pude inteirar-me do revolucionário trabalho das doulas, mulheres treinadas, após passarem pelo trabalho de parto, para acompanharem as gestantes durante o parto. Com inacreditável resultado de prescindir do uso de anestésicos e oxitocina (para aumentar as contrações uterinas) e reduzindo pela metade o tempo de trabalho no parto! De que forma? Pasmem, fazendo a tradução do jargão médico, com palavras de carinho e estímulo para a parturiente e com massagens! No Brasil, uma das redes que está realizando esta divulgação é a REHUNA – Rede de Humanização dos Nascimentos.
Uma das redes de mulheres que mais me entusiasmaram foi o Coletivo do Livro de Boston sobre Saúde Feminina, um pequeno grupo de mulheres, que ao perceberem as carências de informação, disfarçadas no jargão médico, e mesmo o desconhecimento por parte dos médicos, começaram uma pesquisa independente sobre seus corpos para poder repassar estas informações para outras mulheres. Assim, em pequenos grupos, a partir das experiências próprias, começaram a escrever sobre temas desconsiderados pela medicina, como, por exemplo, a depressão pós-parto. O resultado foi, a partir da rede de amizades, boca a boca, uma estrondosa tiragem de 250.000 exemplares de seu livro, a princípio impresso em mimeógrafo e papel jornal, que acabou despertando o interesse de grandes editoras.
Antes dessa tiragem best-seller provavelmente o rejeitariam!
Não posso deixar de lembrar da proposta holística do Milionésimo Círculo, da psicóloga junguiana Jean Shinoda Bolen, inspirada na história do Centésimo Macaco, aquela experiência em ilhas japonesas em que uma macaca (olha aí a fêmea correndo antes!) aprendeu a lavar as batatas deixadas na areia da praia pelos pesquisadores e foi ensinando para as demais macacas, que por sua vez ensinaram seus macacos no bando. Até aí nada demais, mas qual não foi a surpresa quando os macacos isolados em outras ilhas começaram a lavar as batatas sem serem ensinados?!…
A intuição da criadora do Milionésimo Círculo é que, quando se criarem um milhão de círculos de mulheres, haverá um salto quântico no planeta e as formas de dominação patriarcais serão ultrapassadas pelos círculos. Inclusive foi no Brasil que ela decidiu abrir os círculos para os homens, cansados da competição autofágica do modelo hierárquico e centralizador de poder e, vejam bem, por iniciativa dos próprios!
Lembro de muitos outros exemplos, mas acho que já consegui passar uma ideia da verdadeira revolução pacífica e integradora que as mulheres e os homens interessados na cura planetária estão realizando sem alarde e sem necessidade de discursos grandiloqüentes em prol de Gaia, a Mãe-Terra e de suas filhas e filhos.
Mulheres e homens, corramos juntos!

Eduardo Sejanes Cezimbra

Ilustração: Vania Pierozan

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