Para reduzir as enchentes, quebre o cimento do seu quintal

Por Fernando Lara

Todo ano é a mesma coisa. Com o mês de dezembro chegam as decorações de natal, as férias das crianças e a chuva. Muita chuva. No sudeste brasileiro chove uma média de 1600 mm concentrados nos meses de novembro a março. E se o aquecimento global não muda muito o total pluviométrico anual, contribui significativamente para que toda esta água caia concentrada em chuvas mais fortes.

Por isto não é incomum termos 100 mm de chuva em um único dia, o que significa que 36.000 litros podem cair em um único lote regular (12 X 30 M) durante uma tempestade de verão. Multiplique esta quantidade de água pelo número de lotes, depois pelo número de quarteirões, depois pelo número de bairros em cada bacia hidrográfica urbana e imagine o impacto deste volume no sistema de escoamento pluvial da sua cidade.

Tomando uma perspectiva histórica fica claro que os ibéricos que conquistaram a região 500 anos atrás nunca estiveram preparados para tanta água, advindo de lugares onde chove muito menos (500mm por ano em Lisboa, 300mm em Madrid). Mesmo depois dos movimentos de independência no inicio do séc XIX, a tendência de importação de modelos continua, agora provenientes de Paris (600mm) ou Londres (750mm) ou cerca de metade da quantidade de chuva média anual das grandes cidades brasileiras.

Basta olhar para qualquer edifício regular hoje em dia em qualquer região tropical para perceber nossa notável e explícita inabilidade em lidar com a chuva. Infiltrações de todo tipo são muito mais regra do que exceção. Em regiões de urbanização adensada que constituem a grande maioria das áreas residenciais de baixa-renda dos países em desenvolvimento, o grau de impermeabilização do solo fica muito próximo de 100%, sendo mais alto quanto menor a área média dos lotes.

No entanto, o problema da impermeabilização do solo urbano não é exclusivo das áreas de baixa renda, e a verticalização faz com que quaisquer edifícios de apartamento, dos luxuosos condomínios aos conjuntos habitacionais resultem em altíssimos níveis de impermeabilização.

Vejamos os números: um lote regular de 12 x 30 m numa região onde chove 1600 mm recebe algo na magnitude de meio milhão de litros de água de chuva por ano. Se estiver 100% pavimentado este meio milhão de litros corre todo para a rede pluvial. A prefeitura, por sua vez, controla apenas 25% da área da cidade (total de ruas, parques e espaços públicos) mas tem de lidar com a totalidade da água de chuva.

Em resumo, a conta não fecha. É economicamente inviável (para não dizer quase impossível) absorver esta quantidade gigantesca de água em apenas um quarto da superfície urbana, mesmo que o poder público faça tudo certo em termos de pavimentação permeável, piscinões, áreas de escoamento retardado, etc…

Por isso ao mesmo tempo que devemos lutar contra a idéia que asfalto é sinônimo de progresso (luta inglória já que no português coloquial asfalto é antônimo de favela) precisamos urgentemente aumentar a permeabilidade nos terrenos privados sempre que as condições do solo assim permitirem.

Um único jardim de 36 m2 (6 x 6 m ou qualquer combinação de jardins menores que somando 36 m2) rebaixado 10 cm solo pode colecionar o volume inteiro de 10mm de chuva em poucas horas (80% dos dias se chuva anuais) que caem na propriedade. Dado que a maioria dos solos no Brasil tem uma taxa de infiltração variável entre 10 a 25 mm por hora, um sistema simples de jardins ligeiramente rebaixados para receber a água de chuva podem diminuir significativamente o volume de água que corre pelas ruas e pela rede publica, causando destruição e prejuízos nas áreas mais baixas.

Se não houver espaço para um jardim deste tamanho qualquer canteirinho pequeno ajuda. Um único metro quadrado de exposição do solo pode absorver milhares de litros de água por ano.

Por isso, meus caros, para resolver de verdade o problema das enchentes urbanas comece quebrando o cimento do seu quintal e fazendo ali um canteiro. Flores e hortaliças fazem bem para a alma, para o bolso, e para evitar a inundação da rua de baixo.

Revista Fórum

12 comentários sobre “Para reduzir as enchentes, quebre o cimento do seu quintal

    1. Na conferência urbanas de BH sugeri a substituição de áreas de estacionamento rente ao meio fio e a faixa das calçadas para as árvores fossem de piso drenante. Entre um jardim e outro das árvores o drenante junciomaris como um detentor de água e infiltraria melhorando as condições da arborização urbana. Fiz isto na frente do meu prédio e é sensacional. Imagina o quarteirão inteiro ou quarteirões da cidade. A Profundidade é de vinte cm com dez do drenante e leito de brita. Fiquei feliz de ver sua explicação. Vou usar esta forma para justificar minha proposta. Obrigada

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  1. Pelo amor de Deus Fernando, chega a ser ingenuidade propor que furar o concreto dos quintais resolva o problema! Para a absorvicao e escoamento de 100 da água, vc teria que ter as casas construídas sobre a areia. Por características intrinsecas, dependendo do tipo de solo, este absorve e retem atey80 da água que cai sobre ele! As vezes estão compactados, o runoff é inevitável! Por favor reveja conceitos básicos

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  2. Não é necessário “reinventar a roda”.
    Um trabalho de formiguinha, feito pelo próprio cidadão, poderia ajudar a diminuir o volume de água de chuva na rede pública: deixando de 20% a 30% da área do seu terreno permeável (sem piso), ou no caso de não haver esta possibilidade, fazendo sumidouros(não é tão difícil nem tão caro). Mas as pessoas preferem lavar calçada a irrigar jardim.

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  3. E eu aqui inocentemente pensando que o problema eram as políticas públicas ineficientes! Mas agora estou iluminado, obrigado Fernando por me mostrar que a culpa da desgraça de Raposos é par-e-par dividida entre a Dona Maria, que cimentou seus 2 metros de quintal e os construtores, prefeitos e governadores.

    Por essas e outras que temos que acabar com as Donas Marias do planeta. Espero que pelo menos ela esteja usando canudos de inox e sacolas descartáveis.

    Tenha dó!
    Ao contrário das águas, suas análises são rasas demais.

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